Ecos saudosistas
- tainaseixas
- 30 de mai. de 2016
- 3 min de leitura
Eu sou do tipo saudosista: tenho saudades de épocas que nem vivi, mal vivi ou invento que vivi. Como uma boa saudosista, o passado era melhor e o presente nada tem a contribuir. Nós, saudosistas, ansiamos pelo já ocorrido, vivemos o presente com angústia e esperamos o futuro com receio. Se era tão bom e hoje não é, imagina no futuro? Claro que nós, saudosistas, não temos nenhuma noção prática da realidade, fantasiamos apenas com o que não conhecemos e não podemos comprovar. Mas é mais fácil fantasiar então permanecemos nesta ode ao passado; pensamento este que facilmente projeto pra nossa atual vida digital.
A primeira lembrança que tenho de computador consiste em uma máquina que ocupava um terço da sala e onde você se sentava para uma espécie de ritual: demorava pra ligar, demorava pra abrir cada uma de suas ‘windows’ e demorava pra desligar. Você ficava imerso em um universo de zeros e uns apreciando sua mágica sem pressa alguma. Se tivesse usando a internet, discada na época, aí que você ia noite adentro; cada página do Internet Explorer demorava uns 20 minutos para carregar. Era como um rito de passagem do mundo analógico nos arrastando lentamente para o mundo digital.
Ah, o período analógico. Época da revelação fotográfica, das polaroids, de pegar as fotografias com suas próprias mãos e observá-las envelhecer com o tempo. Tempo do tec, tec das máquinas de escrever, em que a fontes das letras era apenas uma e um erro de digitação podia representar um dia perdido. Ah, que saudades que eu tenho do tempo em que a chegada da correspondências não significava apenas contas para pagar. Saudade de receber cartas com a mais profunda descrição de um dia banal de uma pessoa, suas emoções acerca da vida escritas duas semanas antes e provavelmente ainda válidas um mês depois. Época em que receber um fax era equivalente a ver um pequeno milagre acontecer ante os olhos. É claro que grande parte dessas coisas nem tenho uma lembrança factual. Fruto do início dos anos 90, faço parte da geração cuja infância já foi pincelada pelos grandes adventos tecnológicos da era digital: computador, celular e, é claro, o videogame. Mas como uma boa saudosista, morro de saudades do que não fez parte da minha realidade.
A minha realidade compreende smartphones, tablets e wifi. A minha realidade (e provavelmente a sua também, mesmo que de outra geração) é online, não ficamos um minuto desconectadas. Ficar algumas horas sem enviar ou receber mensagens é inimaginável; o 3G, no mínimo, não deve estar funcionando. O desespero já bate e você começa a fazer as mandingas da era digital: reiniciar o celular, tenta colocar em modo avião, tira a bateria, espera o celular esfriar. E o desespero em si nem mesmo tem uma razão: na maior parte das vezes, não estamos esperando uma informação urgente ou tentando chamar uma ambulância: só ficamos agonizando com o prospecto de não estarmos comunicáveis.
Ir ao bar não é mais o programa que costumava ser: você, seus amigos, o comandante-capitão-tio-brother-camarada e a cerveja. Hoje, além desses elementos tem os smartphones sempre iluminando a cara de seus portadores. Você acaba tendo que dividir a atenção entre os amigos falando besteira presencialmente e o amigos mandando emojis no Whatsapp. E a experiência do bar logo é transportada também para o Facebook, que faz chegar a foto daquela gelada na timeline de outros amigos e de outros nem-tão-amigos-assim.
Substituímos as cartas, cuja a atenção e o conteúdo estava destinado tão somente pra você e a caligrafia do remetente expunha ali um pouco de sua essência, pelos e-mails que chegam instantaneamente. Trocamos os LPs de suas bandas preferidas com seus chiadinhos e sua agulha pelo download imediato de todas as músicas que você quiser. As câmeras digitais hoje em dia fazem as analógicas e suas limitações de 36 poses e revelação parecer uma piada. Mas é justamente nesta instantaneidade de tudo que reside o meu saudosismo. Porque não é apenas instantâneo, é efêmero.
Meu saudosismo é licença poética pra sentir falta da lentidão. Da secretaria eletrônica que guardava suas mensagens e que você checava uma vez ao dia. De colocar um filme na máquina fotográfica e revelá-lo (ou até mesmo velá-lo). De virar o disco, escutar eventuais pulos na música devido a um disco arranhado. De desacelerar. A gente tem que se obrigar a isso, de vez em quando, se não o corpo não aguenta. Como boa saudosista, ainda fotografo analogicamente e tenho meu tocador de disco. Não fotografo só analogicamente, tampouco escuto apenas os discos. Mas faço deles a minha desaceleração. E você, já parou hoje?


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